19 dezembro 2010

"Raça, Querer e Ambição"

Eu não percebo muito de futebol. Aliás, eu percebo muito pouco de futebol. Sei os mínimos, as regras gerais impostas a quem vive em Portugal e a quem teve educação física. Só sei um pouco mais do que isso porque, desde pequenina e movida pela curiosidade de assistir incrédula à transformação que se dava nas pessoas do meu agregado familiar quando a bola começava a rolar, fui fazendo perguntas ao longo dos anos, numa tentativa de compreender o que as levava a transformar-se, por 1 ou 2 horas, mais ou menos um dia por semana, em pessoas que gritavam impropérios para uma televisão que não as conseguia ouvir, e que se enervavam quando um homem mostrava cartões coloridos aos outros que corriam pelo campo verde.

Ao longo destes anos todos fui acatando sem questionar o meu lugar neste meio, interiorizando que sou a) mulher, b) mulher jovem, e c) mulher jovem rodeada de homens ansiosos que insistem em salientar que eu não percebo nada de horta. Assim habituei-me a observar, e a aprender a deslindar em que momentos seria menos inoportuno fazer uma ou outra pergunta mais ou menos idiota (mental note: nunca em situação de canto. Ou de penalty. Ou de qualquer livre considerado minimamente perigoso.)

Não percebo muito de futebol, portanto. Não estou dentro das tácticas, percebo pouco de contratações. Compreendo o conceito de fora-de-jogo (ao que parece é daqueles com que a maioria das mulheres não atina) mas não vou muito além disso. E por isso não comento. Não gosto de falar do que não sei com certeza, portanto limito-me a observar e ir fazendo comentários para dentro.

Sempre gostei de ir ao Estádio, mas nunca fui muito assídua - lá está: miúda e jovem, não era grande companhia para os grandes que queriam festejar com as claques, e independência (sobretudo financeira) também era algo que não primava ainda por estes lados. Logo, fui aos jogos para os quais me convidaram, sempre sob a alçada protectora de um familiar atento.

Não estou portanto nisto há muito tempo. Sou benfiquista desde que me lembro, claro, mas porque não tive outra hipótese - pai, irmão, tios, primos e avô (im)puseram-me essa responsabilidade no momento em que nasci. A primeira vez em que a minha mãe me deixou ir a um jogo foi aos 14 anos (porque os estádios de futebol são antros do demónio) e nem cheguei a ver a primeira Catedral por dentro. Desde sempre que festejo cada vitória do Benfica e sofro com cada derrota, é claro - mas porque me era inato, não porque realmente percebesse o significado de mais ou menos 3 pontos no campeonato.

Mas nos últimos 2 anos, um pouco por desígnio do acaso mas também muito por empurrão alheio, dei por mim no meio de um estádio de futebol, várias vezes, a gritar pelo Benfica com todo o ar que tinha nos pulmões. Não sei bem porquê; nada indicava nesse sentido na minha vida (a não ser os inevitáveis antecedentes familiares, claro). Comecei a ter interesse no assunto, a querer aprender os nomes e as posições dos jogadores, a não desligar o cérebro quando alguém sintonizava 'O Dia Seguinte' e a observar com outros olhos as tácticas de jogo (olhos-de-quem-vê, e não olhos de-quem-olha-na-direcção-da-TV-mas-está-a-pensar-na-conversa-que-teve-ontem).

E talvez por isso mesmo já me têm perguntado: "Mas porque é que vais ao estádio? Não vês o jogo muito melhor em casa, no conforto do sofá e com as repetições e os comentários, ainda por cima sem arrotar 20€?". E a essas pessoas eu gostava de conseguir explicar a sensação familiar que se tem ao trocar olhares cúmplices ou encolher de ombros conformados com as pessoas sentadas ao nosso lado (que não conhecemos) simplesmente porque ambos sabemos que o árbitro nos acabou de roubar. Gostava de conseguir explicar a sensação de ver uma Águia sobrevoar um Estádio inteiro para depois pousar no símbolo do nosso clube, ao mesmo tempo que 50.000 pessoas se levantam e explodem em aplausos. Gostava que conseguissem perceber o que é sentir um Estádio inteiro a respirar fundo num "aaaahh..." coordenado e monofónico quando a bola roça a trave pelo lado de fora. Gostava de explicar, mas não consigo. E desconfio que mesmo que algumas dessas pessoas pudessem estar lá comigo, continuariam sem perceber do que estou a falar.

Acho que é mesmo assim, a magia de ser Benfiquista. Não se questiona, não se impinge, não se usa como bandeira. Simplesmente vive-se. E sofre-se... às vezes muito. Mas compensa sempre.




Ontem fui ao Estádio pela primeira vez em 3 meses. Nota-se muito?

3 comentários:

  1. Gosto do texto mas prefiro " Esforço, Dedicação, Devoção e Gloria!" :P

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  2. Antes de mais viva o Benfica! Mas claro, que me identifico com o texto, apesar de no meu caso, não ter crescido com pessoas a verem televisão e a chamar nomes ao árbitro. Isto só vem tornar o meu amor benfiquista mais complicado de encontrar a raíz... não vem desvalorizar o teu. :P

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