03 agosto 2013

Já não se escrevem cartas de amor.

No outro dia tive um daqueles eventos pseudo-familiares-pseudo-sociais onde reencontrei uma senhora belga que conheci vagamente há uma vida atrás. Euzinha, num daqueles dias em que as minhas capacidades sociais pareciam ter derretido com o calor, tentei esconder-me entre os pastéis de bacalhau e a quiche de bacon e cogumelos, mas eventualmente acabou por chegar o temível momento do "então e tu o que é que andas a fazer?".

No momento em que esbarrei com ela nas saladas a minha mãe apareceu miraculosamente do nada, encetando a conversa ao comentar o facto de eu ter de sair mais cedo do evento por ter uma festa nessa noite. Eu aproveitei a deixa e dediquei-me à salada de beterraba, fingindo que não era nada comigo, mas pelo contexto percebi que a senhora devia ter perguntado à minha mãe se eu ia com o meu namorado, porque a minha mãe respondeu: "Não não, o namorado não está cá".

Era portanto comigo. A senhora dirigiu-se então directamente a mim com um sorriso e perguntou: "Comment s'appelle tu petit ami?".

Devo dizer que fiquei ligeiramente surpreendida. Acho que há muito tempo que não me perguntavam o nome de alguém, só para saber e sem necessidade decorrente do contexto social. As pessoas já não perguntam os nomes das pessoas, perguntam o que é que as pessoas fazem. Rendi-me então às evidências de que não iria escapar a este encontro-de-terceiro-grau, larguei o prato e enfrentei a coisa de frente. "Tiago."

- "Tiago. Hmm. Et où est Tiago?"

Aí a minha mãe interveio para me safar do francês, esquecido algures no 11º ano.

- "Dans l'Écosse."
- "Ah, oui. En vacances?"
- "Non... Il vit là."

Nisto a senhora dirigiu-se a mim outra vez:
- "Ah... Mais et comment parlez vous?"

Eu encolhi os ombros, contive um sorriso e disse apenas:
- "Internet."

E a isto a senhora franziu as sobrancelhas e respondeu com um ar ligeiramente indignado:
- "Ah... Mais c'est pas l'amour, l'internet!!"


Minha senhora. Com todo o respeito: se o amor não é isto, isto mesmo, então não sei que lhe diga. Porque sabe, é fácil estar-se bem quando tudo está bem. Mas que esteja tudo bem quando as pessoas estão (muito) mais tempo longe do que perto, isso sim, tem que se lhe diga. Não me interprete mal - olhe que eu também não acho muita graça a relações à distância (apesar de disfarçar muito, muito bem). Mas é que é-me mais fácil estar com ele, apesar de nunca estar, do que não estar. Está a ver o paradoxo? Pois, é aí mesmo que reside o amor. No paradoxo. Nos "eu sei que isto não faz sentido nenhum, mas...". Compreende?

Repare: quer eu queira quer não, sou uma pessoa que precisa de pessoas. E por isso às vezes custa-me muito não o ter comigo para me dar (por mais que me custe admitir) a atenção de que preciso. E claro que eu, sendo rapariga, consigo tornar a mais simples das situações num caos emocional do qual depois não sei sair. Está a ver, não é? Mas ele sabe. Ele, que se for preciso consegue ser a pessoa mais infantil da sala, tem ao mesmo tempo a capacidade de gerir os meus (nossos?) desaires emocionais com uma maturidade e uma racionalidade muito superiores às minhas. E isso torna sempre as coisas um bocadinho mais fáceis de suportar.

Digo-lhe mais: odeio o skype. Odeio o toque daquela merda, aquilo irrita-me até mais não, odeio o design do software, odeio tudo. Odeio especialmente o facto de falar com as pessoas, desligar, e depois perceber que tenho ainda mais saudades do que tinha antes de começar a chamada. Já viu no que me fui meter? "Mas isso não faz sentido nenhum." Pooois. Eu sei, minha cara. Mas é que este amor, o meu amor, não faz sentido nenhum.

E sabe que mais? Tenho 23 anos. Sou estudante. Consequentemente, não sou rica. E olhe que bilhetes de avião para Edimburgo ainda são coisa para roçar o carote - tudo bem que para mim, que não sou rica, um bilhete de autocarro a 1,40€ também já roça o carote, mas pronto, a malta amanha-se. Mas é que, repare: se eu sei que nos vamos ver dia 15, dia 5 já começo a ser feliz. Já pareço o Principezinho, eu sei, mas é verdade, garanto. Não consigo deixar de sorrir e fico uma pessoa muito mais fácil de aturar, acredite. E quem diz dia 5 diz mesmo dia 15, na viagem de autocarro que separa o aeroporto da estação. Aí, minha amiga, sou pessoa para estar tão feliz tão feliz que não consigo estar quieta, meto conversa com estranhos (já aconteceu) e passo o caminho todo a sorrir para a paisagem como tivesse fumado uma. E quando finalmente desço do autocarro e o vejo ali à minha espera não me esqueço da mala (deuzmalivreaminhavidatodanumamala), mas esqueço o suposto decoro social e esqueço que o resto do mundo existe, porque todos os músculos do meu corpo são activados por uma espécie de mecanismo fight-or-flight que me obriga a atirar-me para cima dele num abraço que me relembra porque é que fiz 15 horas de viagem. E eu nem sou uma pessoa de manifestações públicas de afecto, veja lá isto.

Sabe que já estivemos 2 anos separados? Namorámos um ano, depois acabámos durante dois, e há 7 meses decidimos recomeçar. "Isso não faz sentido nenhum", não é? É. Porque agora estamos longe, longe como não estávamos dantes. E eu sou jovem e podia facilmente ter esquecido uma relação antiga e ter-me concentrado em conhecer pessoas novas, de preferência que vivessem em Lisboa. E se calhar a senhora ainda me vai dizer que ele nem é o mais perfeito, o nota 10, o irritantemente-bonito. Mas, perdoe-me a lamechice, é o mais inteligente, o mais fixe, o mais giro, o mais querido, o mais cómico, o mais compreensivo, e o que me faz sentir mais sortuda que a Kate Middleton.

Portanto sim, c'est ça l'amour. Mais: o amor pode ser o que nós quisermos, caraças, desde que haja -precisamente!- amor. E, minha senhora, olhe que isso inclui a internet.


2 comentários:

  1. Gostei muito!…. Fiquei presa ao texto por momentos, coisa que há muito não fazia… E senti cá dentro um turbilhão de emoções!
    Tu tens - muito- jeito para escrever!E espero que continues sempre!

    ResponderEliminar