07 outubro 2014

Para começar:

Apercebi-me de que não pego na pen drive há meses – talvez a última vez que a tenha usado tenha sido para ir imprimir a minha Tese de Mestrado.

Tenho de esvaziar isto, preciso de espaço para os novos slides do novo mestrado.

(Atravesso a rua e olho para a direita, obediente aos sinais escritos no chão ao longo das passadeiras. No meio dos monhés e do cheiro a caril que me rodeia vejo o Gherkin lá ao fundo, a impor-se da City, a lembrar-me que agora vivo em Londres. Em Londres, car&%$#. Em Londres.)

Vou apagando as pastas da pen, a pensar se precisarei desta informação mais tarde.

‘Tese’ – já acabei a Tese. Tive 18. Posso apagar.

‘Estágio’ – já acabei o Estágio. Tive 18. Posso apagar.

‘Candidaturas PhD’ – já acabaram. Entrei em St Andrews. Já não quero fazer PhD em St Andrews, escolhi outra coisa. Posso apagar.

Apercebo-me do que acabei de dizer para mim mesma e durante 30 segundos fico espantada. Pergunto-me como raio é que consegui safar-me tão bem neste último ano e meio, quando muito do que sentia era insegurança e medo do futuro. E durante 30 segundos fico incrivelmente orgulhosa de mim própria.

Mas depois lembro-me que hoje um dos Professores do Departamento de Neurociências Cognitivas da UCL, o departamento onde estou, ganhou o Prémio Nobel da Medicina.

Ganhou o Prémio Nobel.
Hoje.

Nova pasta: ‘UCL – MSc in Neuroscience 2014/2015’.


De volta ao trabalho.


25 abril 2014

39+1

Há exactamente um ano atrás eu e o Carneiro queríamos encontrar um sítio onde pudéssemos conversar calmamente mas que ao mesmo tempo nos permitisse aproveitar Lisboa numa tarde de sol. Depois de passarmos pelo Carmo e de comprarmos cravos vermelhos na rua (que é como deve ser), lembrámo-nos de que o Castelo tem entrada grátis para moradores de Lisboa.

Nunca ocorre a ninguém ir simplesmente passear ao Castelo, acho eu. Vai-se ao Castelo para mostrar Lisboa aos amigos turistas, vai-se ao Castelo em visita de estudo, entra-se no Castelo especificamente para ir ao museu, mas nunca ninguém se lembra de ir só ao Castelo. Ir ao Castelo. Como quem vai passear ao Terreiro do Paço ou como quem passa no Santini para comprar um gelado.

E então fomos - pela primeira vez, fomos 'só' ao Castelo. E lá nos sentámos, junto às muralhas, a aproveitar o sol e a vista para a cidade, a conversar sobre os temas que nesse dia eram prementes.

Alguma vez ouviram Lisboa num feriado? Lisboa estava longe de estar deserta, mas parecia há um ano atrás quase solene de silenciosa. Não se ouvia nada a não ser um que outro murmúrio de turistas italianos que iam passando atrás de nós e os passarinhos (quão cliché) em pano de fundo. Parecia domingo de manhã.

Mas dos confins da cidade começou a soar-nos uma melodia conhecida. Vagamente, ao longe, mas cada vez mais nítida. Nada visível por entre a vista distante de edifícios e arvoredo, mas a multidão, os milhares de pessoas que nesse dia desciam a Avenida da Liberdade em manifestação, tinham chegado aos Restauradores. E a aproximação ao cotovelo da Praça do Rossio e a exposição directa às ameias do Castelo permitiram que o vento de Abril trouxesse até nós, incrédulos, pasmados, o murmúrio de uma multidão a cantar a "Grândola Vila Morena" por cima de uma cidade que se ouvia deserta.

Nada mais era visível ou audível, nada tinha mudado - a paisagem que se estendia colina abaixo era a mesma, as pessoas continuavam desaparecidas da rua, e o rio daquele azul brilhante que é só de Lisboa com sol. Tudo igual ao momento imediatamente anterior. Mas um som vibrante de vozes emocionadas e tambores a bater o tempo erguia-se da cidade, cada vez mais forte, como se alguém tivesse ligado altifalantes algures na muralha.

Lisboa antes muda, domingo de manhã numa quinta feira à tarde, vista das ameias do Castelo e banhada em sol de primavera, soava ali, para nós sozinhos, a Zeca Afonso.

Não vimos a multidão, por isso posso assumir que a cidade cantou sozinha naquele dia. Assumo que o som saiu das pedras da calçada e que se elevou pelos telhados da Baixa só porque urgia relembrar a cidade de há 39 anos atrás.

Naquele dia o Castelo foi espectador único daquele tributo tão inesperadamente íntimo, um dos mais bonitos que tive a honra de testemunhar enquanto lisboeta. Abril cantado pela cidade, para a cidade. Hoje, a 2800 kms do Rossio, resta-me comprar cravos vermelhos e continuar a escrever.


18 dezembro 2013

Toma que é para ver se aprendes a não fazer gordices

Estava a guardar-me para o Natal para poder entrar em modo unleash-the-kraken e comer todos os chocolates e iguarias óptimas que surgem nesta altura e das quais me proíbo mentalmente durante o resto do ano.

Dado que me vou embora da Escócia amanhã, e porque ia oferecer um a cada um dos meus colegas de laboratório, resolvi abrir hoje as hostilidades e oferecer a mim própria um mini-ursinho de Natal de chocolate Lindt. (De notar que estava mentalmente a babar-me por chocolate Lindt para aí desde Julho.)

A minha reacção quando finalmente desenrolo o papel de prata do ursinho, lhe dou uma dentada na cabeça, e me apercebo que afinal o ursinho é oco quando eu pensava que era um daqueles de chocolate maciço:


02 dezembro 2013

Sabes que estás no Reino Unido quando

a primeira coisa que as pessoas fazem quando entras numa sala é perguntar se queres um chá. Isso para começar.

Depois disso: tu aceitares, fazerem-te um chá, e imediatamente (e sem te perguntar nada) despejarem 3 litros de leite lá para dentro.

25 outubro 2013

Medula

É de facto uma seca receber e reenviar e-mails com pedidos de ajuda de pessoas à procura de dadores de medula óssea. A pessoa hesita sempre entre o querer reenviar (porque "se fosse alguém próximo...") mas ao mesmo tempo não querer entupir as caixas de e-mail dos amigos com pedidos que às vezes até parecem duvidosos.
 
O irritante no meio disto tudo é que tudo isto poderia ser evitado se toda a gente se INSCREVESSE COMO DADOR! É tão simples, tão rápido e pode fazer uma diferença TÃO grande que não percebo como é que ainda não é obrigatório!

Ok, percebo... mas pronto. Ainda há um grande preconceito à volta do tema; as pessoas acham que é muito doloroso, e que é certinho que vão ser escolhidas, e etc. 

A verdade é que tornar-se dador é mais simples ainda do que dar sangue - é só tirar uma pequena amostra de sangue (não é preciso ficar ali meia hora deitado na sangria e depois ir morfar pães de leite à saída) e preencher um curto questionário. SE entretanto aparecer alguém compatível, a pessoa é chamada e são feitos mais testes, e só depois disso é que se sabe se de facto se vai servir de dador. No caso de se ser, tem-se o privilégio de ajudar a salvar uma vida (quantas pessoas é que podem dizer que já salvaram uma vida?).

Se forem dadores de sangue basta dizerem que se querem inscrever como dadores de medula da próxima vez que forem dar sangue - é só preencher um questionário rápido.

Se ainda não são dadores de sangue... vão ser!


11 outubro 2013

Fazer uma tese é o seguinte

as outras pessoas: "então como é que está a correr a tese?"

a minha reacção:
image















a minha resposta:
 https://i.chzbgr.com/maxW500/7746280704/h05E1656F/


o que eu sinto que a minha tese me quer fazer:
Shhhhh, it'll be all over soon
"ssshhh... it'll be over soon..."


o que eu quero fazer quando entregar a tese:
http://24.media.tumblr.com/40105d45f88827fea45754fcb560c0a1/tumblr_mhht74j24W1s49x9io1_400.gif

10 outubro 2013

30 agosto 2013

Science, bitch!

Escrever uma tese de mestrado é um processo muito lindo na vida das pessoas.

Acabei de citar um artigo escrito por Wang, Tu, Liu, Yeh & Hsu.

Estou na dúvida entre acreditar que isto são de facto nomes de cientistas, ou render-me às evidências de que alguém no auge da bebedeira se decidiu registar com um nome composto apenas por sons de movimentos de kung-fu.

03 agosto 2013

Já não se escrevem cartas de amor.

No outro dia tive um daqueles eventos pseudo-familiares-pseudo-sociais onde reencontrei uma senhora belga que conheci vagamente há uma vida atrás. Euzinha, num daqueles dias em que as minhas capacidades sociais pareciam ter derretido com o calor, tentei esconder-me entre os pastéis de bacalhau e a quiche de bacon e cogumelos, mas eventualmente acabou por chegar o temível momento do "então e tu o que é que andas a fazer?".

No momento em que esbarrei com ela nas saladas a minha mãe apareceu miraculosamente do nada, encetando a conversa ao comentar o facto de eu ter de sair mais cedo do evento por ter uma festa nessa noite. Eu aproveitei a deixa e dediquei-me à salada de beterraba, fingindo que não era nada comigo, mas pelo contexto percebi que a senhora devia ter perguntado à minha mãe se eu ia com o meu namorado, porque a minha mãe respondeu: "Não não, o namorado não está cá".

Era portanto comigo. A senhora dirigiu-se então directamente a mim com um sorriso e perguntou: "Comment s'appelle tu petit ami?".

Devo dizer que fiquei ligeiramente surpreendida. Acho que há muito tempo que não me perguntavam o nome de alguém, só para saber e sem necessidade decorrente do contexto social. As pessoas já não perguntam os nomes das pessoas, perguntam o que é que as pessoas fazem. Rendi-me então às evidências de que não iria escapar a este encontro-de-terceiro-grau, larguei o prato e enfrentei a coisa de frente. "Tiago."

- "Tiago. Hmm. Et où est Tiago?"

Aí a minha mãe interveio para me safar do francês, esquecido algures no 11º ano.

- "Dans l'Écosse."
- "Ah, oui. En vacances?"
- "Non... Il vit là."

Nisto a senhora dirigiu-se a mim outra vez:
- "Ah... Mais et comment parlez vous?"

Eu encolhi os ombros, contive um sorriso e disse apenas:
- "Internet."

E a isto a senhora franziu as sobrancelhas e respondeu com um ar ligeiramente indignado:
- "Ah... Mais c'est pas l'amour, l'internet!!"


Minha senhora. Com todo o respeito: se o amor não é isto, isto mesmo, então não sei que lhe diga. Porque sabe, é fácil estar-se bem quando tudo está bem. Mas que esteja tudo bem quando as pessoas estão (muito) mais tempo longe do que perto, isso sim, tem que se lhe diga. Não me interprete mal - olhe que eu também não acho muita graça a relações à distância (apesar de disfarçar muito, muito bem). Mas é que é-me mais fácil estar com ele, apesar de nunca estar, do que não estar. Está a ver o paradoxo? Pois, é aí mesmo que reside o amor. No paradoxo. Nos "eu sei que isto não faz sentido nenhum, mas...". Compreende?

Repare: quer eu queira quer não, sou uma pessoa que precisa de pessoas. E por isso às vezes custa-me muito não o ter comigo para me dar (por mais que me custe admitir) a atenção de que preciso. E claro que eu, sendo rapariga, consigo tornar a mais simples das situações num caos emocional do qual depois não sei sair. Está a ver, não é? Mas ele sabe. Ele, que se for preciso consegue ser a pessoa mais infantil da sala, tem ao mesmo tempo a capacidade de gerir os meus (nossos?) desaires emocionais com uma maturidade e uma racionalidade muito superiores às minhas. E isso torna sempre as coisas um bocadinho mais fáceis de suportar.

Digo-lhe mais: odeio o skype. Odeio o toque daquela merda, aquilo irrita-me até mais não, odeio o design do software, odeio tudo. Odeio especialmente o facto de falar com as pessoas, desligar, e depois perceber que tenho ainda mais saudades do que tinha antes de começar a chamada. Já viu no que me fui meter? "Mas isso não faz sentido nenhum." Pooois. Eu sei, minha cara. Mas é que este amor, o meu amor, não faz sentido nenhum.

E sabe que mais? Tenho 23 anos. Sou estudante. Consequentemente, não sou rica. E olhe que bilhetes de avião para Edimburgo ainda são coisa para roçar o carote - tudo bem que para mim, que não sou rica, um bilhete de autocarro a 1,40€ também já roça o carote, mas pronto, a malta amanha-se. Mas é que, repare: se eu sei que nos vamos ver dia 15, dia 5 já começo a ser feliz. Já pareço o Principezinho, eu sei, mas é verdade, garanto. Não consigo deixar de sorrir e fico uma pessoa muito mais fácil de aturar, acredite. E quem diz dia 5 diz mesmo dia 15, na viagem de autocarro que separa o aeroporto da estação. Aí, minha amiga, sou pessoa para estar tão feliz tão feliz que não consigo estar quieta, meto conversa com estranhos (já aconteceu) e passo o caminho todo a sorrir para a paisagem como tivesse fumado uma. E quando finalmente desço do autocarro e o vejo ali à minha espera não me esqueço da mala (deuzmalivreaminhavidatodanumamala), mas esqueço o suposto decoro social e esqueço que o resto do mundo existe, porque todos os músculos do meu corpo são activados por uma espécie de mecanismo fight-or-flight que me obriga a atirar-me para cima dele num abraço que me relembra porque é que fiz 15 horas de viagem. E eu nem sou uma pessoa de manifestações públicas de afecto, veja lá isto.

Sabe que já estivemos 2 anos separados? Namorámos um ano, depois acabámos durante dois, e há 7 meses decidimos recomeçar. "Isso não faz sentido nenhum", não é? É. Porque agora estamos longe, longe como não estávamos dantes. E eu sou jovem e podia facilmente ter esquecido uma relação antiga e ter-me concentrado em conhecer pessoas novas, de preferência que vivessem em Lisboa. E se calhar a senhora ainda me vai dizer que ele nem é o mais perfeito, o nota 10, o irritantemente-bonito. Mas, perdoe-me a lamechice, é o mais inteligente, o mais fixe, o mais giro, o mais querido, o mais cómico, o mais compreensivo, e o que me faz sentir mais sortuda que a Kate Middleton.

Portanto sim, c'est ça l'amour. Mais: o amor pode ser o que nós quisermos, caraças, desde que haja -precisamente!- amor. E, minha senhora, olhe que isso inclui a internet.


Almoçageme

No mercado do costume, a comprar alfaces com a minha mãe.

senhora das alfaces: "Oh, esta é que é a sua menina?"
mãe: "É, pois!"
s.d.a.: "Ai, é tão linda... Parece uma rainha! Que linda... Parece aquela que teve agora o bebé... a Kate!"
mãe: *ri-se ironicamente*
eu, entredentes: "Fazes favor compras mais uma alface a esta senhora."